Neste período de ausência, muita coisa aconteceu.
Dei-me conta da minha mortalidade. De como tudo pode acabar num segundo.
Nos primeiros dias de internamento, o maridão foi incentivado, pelos da equipa médica do serviço onde estive, a despedir-se de mim enquanto havia tempo.
O impacto que estas pessoas tiveram na personalidade do maridão, só o percebi quando vim para casa e ele partilhou comigo toda a sua vivência. Emagreceu. Ganhou olheiras. Insónias. Muitas lágrimas e até depressão.
Enquanto eu estava numa de "deixa-te estar que estás bem", deitada na enfermaria, a receber a minha morfina, o maridão não conseguia saber de mim pelo telefone. Teve mesmo de se pôr ao caminho, a pé, por várias vezes, e fazer uma "espera" à entrada da enfermaria, para conseguir saber se eu estava a melhorar ou não.
Fiquei imensamente triste por ele. Sei que se fosse ao contrário eu teria feito a mesma coisa. Mas... proclamar-se um luto enquanto ainda há vida, isso faz-se a alguém?...
E mesmo quando voltei para casa, o maridão não dormia. A cada volta que eu dava na cama ele acendia a luz para ver se estava bem. Se ele fechava os olhos e dormitava, tinha pesadelos com a minha perda.
Esteve vários dias debaixo de pânico. Assim que eu pegava numa panela ou me abaixava para chegar a uma gaveta, ele quase que tinha uma síncope, de terror que o aneurisma rompesse de novo.
Tivemos muitas conversas sobre aqueles dias. Para compormos o quadro todo, relatámos dia a dia o que vivenciámos e o que sentimos. Chorámos.
Aos poucos fomos conseguindo afastar o medo, e dar lugar à vida que (ainda) nos assiste.
De dia para dia, fui vendo o rosto do meu amado a largar a preocupação desmesurada, o sorriso a voltar-se-lhe, o sono a recompor-se.
Aos poucos a liberdade de movimentos para mim. O meu humor a voltar. A minha gargalhada a iluminar a vida dele.
Ontem dançámos na nossa sala de estar. Ao som de um fado do Carlos do Carmo, celebrámos a vida.
E que bom que é estar viva contigo, amor!❤
Cumprimentos, e que também possam celebrar a vida!
Ariana